26 de abril de 2010

Lacaniano

Escrito quando fui lacaniano, num tempo remoto, em resposta à pergunta: "Os lacanianos são humanos?"


Respondo a vil pergunta que me fazes
Lacônico no uso da linguagem
Se furto-me de artigos e pronomes
Já não encontro a graça que me trazes

Se sabes da tragédia do que dizes
E pensas da comédia que é bobagem
Palavras nunca ditas já disformes
Nas bocas de pessoas infelizes

O que haverá então de desumano
Nos mau-entendedores das palavras
Desnecessários, vis lacanianos?

Será profano o significante
Se em vez de proferido então se trava
E perde-se em respostas vacilantes?

(15/04/06)

24 de abril de 2010

Alma fria

Matei a minha sensibilidade
Ou ela está somente adormecida
Não vejo mais o breu da minha vida
Perdido ali num prédio da cidade

Dentro de mim a alma morta e fria
Não dói como doía antigamente
Enrijecido, o coração não sente
Não é tocado nem por poesia

Saudade das lamúrias de outrora
Agora já não sei como me sinto
Depois que o sofrimento foi embora

Idílico e cruel, porém intenso
Se dele não preciso é porque minto
Eu não mais sinto, mas ainda penso

(19/04/06)

22 de abril de 2010

Soneto urbano

Vivemos na cidade que acontece
Em rastros, faróis brancos e vermelhos
Velozes, motoboys levam espelhos
O que hoje choca, amanhã se esquece

Por entre nós, satélites se falam
A rua para alguns também é casa
Sob finos paletós, peles em brasa
No muro o grito surdo dos que calam

É pau, é pedra, é pó, é cola, é crack
É tudo um grande show, aplaude a claque
O sangue lava a chuva da calçada

Crianças, travestis e prostitutas
A mesma fome e dor, as mesmas lutas
Milhões de estranhos sob o mesmo nada

(24/01/2010)