24 de maio de 2010

Notas sobre a sociabilidade contemporânea - Parte I

Com o desenvolvimento de tecnologias de comunicação, estamos conectados em rede praticamente todo o tempo. Podemos contatar e ser contatados facilmente em celulares, correios eletrônicos e redes sociais.

Entretanto, é nessa constante possibilidade de presença que a ausência se faz ainda mais esmagadora. A solidão virtual, ou a forma como experienciamos a solidão no século 21, já não impõe limites, já não se nos apresenta como o peso de uma ausência física, mas como a volatilidade de uma constante presença imaterial. Quantos de nós, sempre plugados, não sentem, por isso mesmo, a irrealidade e inconstância do mundo que nos cerca?

Dispomos atualmente de ferramentas para nos expressar, de forma mais livre, e o alcance de nossa expressão é muito amplo. Por outro lado, a hipertrofia da expressão também leva ao mínimo da comunicação entre pessoas. Escreve-se mais, lê-se menos. A informação é muita, e fragmentada. Vem em drops, pílulas, pseudossínteses que ocultam a real expressão das pessoas e das relações entre elas. Vemos vídeos de até dois minutos, lemos notícias de até cinco parágrafos e poemas de até quatorze versos, pois não temos muito tempo a perder.

E mesmo em tempos de excesso de informação e meios de comunicação imediata – que deveriam representar a hegemonia da palavra –, vivemos cada vez mais como sujeitos neuroquímicos. Basta notar o uso – por necessidades geralmente fabricadas – de remédios para dormir, ficar acordado, ter apetite, tirar o apetite, pensar mais, pensar menos, calmantes, estimulantes, paudurantes e tantos outros.

Queremos romper a barreira do humano?

Tirinha: André Dahmer (www.malvados.com.br)

19 de maio de 2010

O que é ser psicólogo?

(Encontrei este texto, escrito no meu último ano de faculdade, e me surpreendi ao relê-lo.)

Prefiro começar esta reflexão pela sua negativa. O que é não ser psicólogo? Costumo pensar que nossa prática sempre corre o perigo de tornar-se um dispositivo de controle de uma sociedade disciplinar. Muitas vezes a prática apresenta-se legitimamente como dispositivo de coerção e adaptação do ser humano a normas sociais estabelecidas, isso mina todas as possibilidades de emancipação e autonomia dos sujeitos como construtores de sua própria história e da história da coletividade. Não ser psicólogo é contribuir na manutenção de relações de poder instituídas, é reproduzir valores pequeno-burgueses de família, propriedade privada, (ausência de) direitos das minorias, valores sobre a sexualidade, etc. Não ser psicólogo é admitir que, por ter um diploma e algum conhecimento teórico, sabe mais sobre o outro do que ele mesmo jamais poderia saber. Não ser psicólogo é sentir-se em pleno direito de conduzir alguém por caminhos que ele não escolheu.

Não ser psicólogo também é sentir-se plenamente psicólogo, completo, sentir que não há mais nada para aprender, que o conhecimento e o tal “olhar psi” sobre o mundo nos coloca num lugar de superioridade, de quem detém a verdade sobre o mundo e sobre o ser humano. Não ser psicólogo é querer ser psicólogo o tempo todo, “psicologizando” nossas próprias relações e qualquer manifestação da subjetividade alheia. Não ser psicólogo é reduzir a arte à psicologia, a literatura à psicologia, a psicanálise à psicologia, a filosofia à psicologia, o churrasco à psicologia, e perder o que há de propriamente humano (fora do âmbito do “psicologizável”) na vida.

Para ser psicólogo é preciso, acima e antes de qualquer coisa, ser humano. É preciso ser capaz de sentir, de chorar, de se emocionar, é preciso sofrer. Sofrer, mas saber sofrer. É preciso saber que o sofrimento do outro não é meu, e nem “como se” fosse, mas é somente do outro. E o sofrimento é legítimo justamente por ser do outro. O sofrimento alheio pode causar em nós outros sentimentos, que só são possíveis por estarmos em relação. Muitas vezes nos esquecemos o que é estar em relação, e esquecemos “como” estar em relação. Aí entra a questão da técnica.

Mas como pensar na técnica se podemos não saber o que fazer? Ser psicólogo é, depois de ser humano, ter clareza da posição ético-política que ocupamos no mundo, em nossas relações pessoais e profissionais. Se tivermos clareza de nossos objetivos, de nossos horizontes, da direção a seguir, descobriremos e inventaremos maneiras de estabelecer e manejar as relações. Só depois da clareza da posição ético-política entra a questão da técnica. A técnica pela técnica, sem prestar-se a um objetivo, pode ser perigosa. É assim que muitos de nós caem nas armadilhas que tentamos evitar.

Uma pergunta que sempre deve ecoar em todos os nossos sentidos é “para quê?”. Para que serve minha prática? A que e a quem minha atuação profissional está submetida? Que tipo de relações estabeleço quando atuo profissionalmente? As relações que estabeleço baseiam-se nas minhas carências e angústias ou na direção de minha posição ética e política? Sou levado a pensar se quando reclamamos da insuficiência de modelos teóricos, na verdade nos queixamos da falta de clareza de quem somos, de nossa posição no mundo, da direção da nossa construção. Nos queixamos por não termos definido onde queremos chegar, qual nosso horizonte, o que queremos quando pensamos em atuar efetivamente como psicólogos. Não sabemos como realizar análises, como refletir sobre a realidade, como buscar saídas, como conceber intervenções. Sentimo-nos inseguros, atribuímos nossa insegurança a algo externo, a falta de teorias, sem darmo-nos conta de que não temos objetivos, e nossos objetivos não estão somente nos livros.

Recentemente pude presenciar uma cerimônia de colação de grau que incluía alunos de psicologia. A oração dizia “...que esses profissionais levem alegria aonde houver tristeza, paz onde houver discórdia...” e fiquei me perguntando se um psicólogo deve fazer isso mesmo. Devemos aniquilar conflitos e angústias ou trata-se de nosso conteúdo de trabalho, e somente a partir da angústia e do conflito podemos pensar em intervir como psicólogos? Há sentido em levar alegria e paz, nossa alegria e nossa paz, e esmagar o sofrimento alheio? Nossa oferta é a felicidade? Se for, qual o custo da felicidade? Chega-se à felicidade sem sofrimento?

Outra preocupação que deve nos acompanhar é a necessidade que temos de sermos amados. Precisamos ser bem recebidos e bem tratados em todos os espaços, sob o risco de não suportarmos nossa própria incapacidade de manejar situações de conflito. Qual a direção de nossa intervenção? Essa pergunta me arrisco a responder: tornar-nos desnecessários. A direção de nosso trabalho é promover e desenvolver a possibilidade de não mais sermos necessários, a possibilidade que cada um pode ter de cuidar de si mesmo. No trabalho institucional e de grupos, a direção é a mesma, promover processos de auto-gestão e auto-análise, ou seja, saber e agir sobre si próprios. Como fazer isso sem evidenciar conflitos, sem fazer emergir contradições e forças instituintes? Se mantivermos a paz e a felicidade, estaremos apenas mantendo relações de preenchimento de nossas próprias carências? Voltando ao início da reflexão, não seria esta uma forma de construir uma prática como dispositivo da sociedade disciplinar?

15 de maio de 2010

Oficina do sonhar II

Horas passam, olhos fitando o teto
Absorto em pensamentos divagantes
E em fantasias quase delirantes
Pairando inutilmente tal inseto

Aprisionado em meus próprios castelos
Edificados sem seus alicerces
Nos vãos por sobre as ilusões inertes
Em vão abrigam sonhos mais singelos

Procuro ferramentas no impossível
Há sonhos e ilusões em meu canteiro
Em abstrações, encontro meu concreto

Mas meu projeto é ilógico e falível
Desaba sobre mim meu cativeiro
Grande sonhador, péssimo arquiteto

(24/02/2009)

4 de maio de 2010

Declaração

Você veio. Seus olhos buscavam os meus, os almejavam, os devoravam. Detinham-se neles por mais tempo que o necessário, mais que o recomendável para o tipo de distância que queríamos manter. Você perguntou de mim, dos meus planos, dos meus amores, da minha vida. O tipo de pergunta que não se faria para alguém de quem se quer manter uma distância segura. Você tinha que ir embora, mas não ia. Demorava-se em longos abraços, os olhos novamente buscando os meus, um certo olhar, um certo sorriso. Um gemido de conforto, outro abraço demorado. O portão aberto, os braços abertos, os braços fechados nos envolvendo. Cansou e foi embora. Fiquei ao portão, os olhos buscando os seus.