22 de fevereiro de 2011

Buraco

Há de se andar
Olhando para cima,
Senão o buraco
Cai em você.

16 de fevereiro de 2011

A mancha

Começou com uma fisgada na parte interna de seu braço esquerdo, entre a axila e o cotovelo. Onde antes não havia nada, surgira uma mancha escura, de limites bem definidos, embora disforme. Confuso, passou o dedo sobre a mancha, depois lambeu o dedo e passou de novo, mas a mancha permanecia inalterada.

Passou o resto do dia pensando naquela mancha, sobre o que poderia ser e, principalmente, por que teria aparecido tão repentinamente. Por vezes se distraía, mas o pensamento logo voltava. Duas ou três vezes flagrou a si mesmo olhando para o braço, esticado a quarenta e cinco graus de seu corpo e ligeiramente torcido para fora, uma posição ridícula de manter enquanto andava pelas calçadas da cidade. À noite, veio-lhe a esperança de que a mancha não estivesse lá no dia seguinte, de que talvez se tratasse de um sonho. Nada melhor do que dormir para dar fim a um sonho.

No dia seguinte, a mancha ainda estava lá. Levantou-se com um salto e esfregou novamente o braço, os olhos ainda embebidos de sono, a imagem desfocada. Foi para o chuveiro e saiu com o braço vermelho de tanto atrito com a esponja, mas não adiantava. Mal conseguiu engolir um café e foi para o trabalho. Passou a manhã inteira com dificuldade de se concentrar, uma mancha em seus pensamentos. À tarde, conseguiu uma consulta com um dermatologista, dizendo que seu caso era urgente.

– Parece um sinal de nascença – disse o médico, ao examinar a mancha em seu braço.

– Mas como, se ontem mesmo não estava aí?

– Não há registro de algo semelhante. Em todo caso, parece apenas uma mancha inofensiva. Não há sinal de câncer, nada com que se preocupar.

– Está dizendo que não sabe o que é?

– Podemos fazer uma biópsia, mas julgo desnecessário – disse o médico, com convicção.

Optou por fazer a biópsia e foi informado de que o resultado sairia dali a uma semana. Ao sair da clínica, pensou em procurar explicações em outro lugar, como um médium, um vidente, um pai de santo ou algo do tipo, mas logo desistiu da ideia. Seu ceticismo era puro demais para ser maculado.

Passou a semana inteira sem que a semana passasse, os olhos no relógio, a mancha nas ideias. Ligava para o consultório em dias alternados, perguntando do exame, um breve chiado na ligação e o aviso de que deveria aguardar a data agendada. No trabalho, sua reputação já não era a mesma, seu rendimento caíra muito. Exasperava-se com qualquer falha de impressão que borrasse um relatório, qualquer poeira que caísse nas lentes de seus óculos. Chegou a correr de um dálmata que latiu para ele detrás de um portão.

No dia marcado, o envelope nas mãos do médico tinha seu nome, com um acento no lugar errado. O resultado do exame foi decodificado:

– Trata-se apenas de um excedente de pigmentação, como lhe havia dito. Podemos fazer um clareamento.

– Mas por quê?

– Por que fazer o clareamento? – perguntou o médico, sem entender.

– Por que essa mancha?

– Não é possível especificar a origem, a causa, mas podemos tratar...

– Por quê? – gritou, saltando da cadeira e já se voltando para a porta. – Eu preciso saber por quê!

Ao sair do consultório, a secretária tentou contê-lo, sem sucesso. Tudo o que viu foi seu braço esquerdo empurrando-a para o lado, a mancha de relance. Ganhou a rua e correu, tudo virando vulto. Parou em frente a uma lavanderia, arquejando, os braços apoiados nos joelhos. Olhou para a esquerda e viu seu braço, a mancha faltando.

– Onde está? Para onde foi? – berrava, indignado. As pessoas passavam por ele, olhando-o com espanto.

Depois disso, não se ouviu mais falar dele. A família e os poucos amigos perderam contato.

Foi visto recentemente, conversando com um canteiro de flores.

1 de fevereiro de 2011

Simbonírica 5

O volante mal cabia em suas mãos. Sentia-se sufocado por estar em um espaço tão apertado, o encosto do banco no meio de suas costas. Curvava-se sobre o painel com a cara próxima ao para-brisa.

Saiu daquele minúsculo carro e viu uma enorme placa vermelha com a palavra PARE. Seguiu andando e entrou em um bar. Queria pedir algo, mas não conseguia ver o que havia por cima do balcão. Já fora difícil entrar, e seria impossível, não fosse a escada convenientemente posta ao lado da porta, permitindo-lhe se pendurar na maçaneta.

Fora do bar, um dos dedos de seu pé ficou preso a um bueiro. Puxou o pé para desprendê-lo e, sem que entendesse como, foi engolido. A situação não tinha tamanho, como ele não o conhecia.

Grande demais para brincar, para obedecer, para acordar tarde. Pequeno demais para ser independente, para fazer uma revolução, para ser responsável.

Forte, bom, grande e belo. Pusilânime, impiedoso, insignificante e rancoroso.

O anão e o gigante.