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6 de outubro de 2010

Notas sobre a sociabilidade contemporânea - Parte III

Com a falência dos valores de outrora, que prezavam pelo valor do sofrimento e do sacrifício como aspectos de dignificação e salvação pessoal, ficamos livres do fardo de gerações anteriores. Privações, repressões e submissões que não mais se fazem necessárias para o convívio em sociedade. Entretanto, não raro perdemos também a noção do limite, e nos vemos na obrigação de obter prazer em cada ato, em cada relação e a cada momento. O imperativo do prazer nos condena e massacra a cada oportunidade perdida, a cada momento de enfado, a cada pequeno tédio, como se toda a repressão de gerações anteriores tivesse que ser compensada no prazer extremo e contínuo da nossa.

Falhamos em ser felizes, e falhamos duplamente em nos obrigar a ser felizes em vão. A felicidade é bem de consumo, representado pelos gadgets, por nossos entorpecentes e por nossos corpos, extensões do nosso desejo insaciável de permanecer insaciáveis.

15 de julho de 2010

Notas sobre a sociabilidade contemporânea - Parte II

O homem do século 21 oscila entre o ridículo da crença e a insuficiência da razão.

Ao negar a racionalidade e afirmar a crença, perde lugar no universo de abstrações sobre o qual são edificadas a moral e os valores de uma época. Incapaz de questionar a produção de tais abstrações pelo engessamento confortável de suas crenças, acomoda-se em sua posição e a defende contra tudo e todos, agarrado ao escudo que o protege do imprevisível.

Por outro lado, destituído da crença e decidido a seguir a razão, é solapado pela total ruptura com valores de épocas anteriores, que atribuíam sentido e ordenamento à vida, e que lhe davam a segurança ontológica necessária.

Sem religião, toma dois possíveis caminhos: ou atribui à ciência um caráter dogmático, substituindo a religião, ou persiste em sua empreitada de questionar a realidade. As consequências da primeira opção são a subordinação às afirmações “comprovadas cientificamente” (desconsiderando todo seu processo de produção e sua veiculação nos meios de comunicação) e a restauração da segurança ontológica sobre o alicerce da mãe-ciência. A segunda opção, entretanto, pode levar ao desespero e mesmo à imobilidade pela total ausência de sentido.

Na impossibilidade de aceitar explicações metafísicas como fundamento da realidade, alguns acabam por entender que vivemos num mundo em que quase tudo o que nos rodeia é produzido por nós, e contém em si mesmo – embora sempre ocultada – toda a história das civilizações humanas e seu processo de produção material. E é da não ruptura que surge o choque das contradições que nos constituem. Velho e novo, pulsional e racional, cristão e ateu, convivem em nós de forma habitual, mas não sem consequências. Ateus conhecem na boca do estômago a culpa cristã, racionalistas agem irracionalmente pela falha no domínio de seus impulsos, e nossos projetos variam entre novas formas de sociabilidade e velhas formas de manutenção de valores tradicionais.

A saída – se é que há alguma – seria, pela compreensão da imanência da vida humana, crer no próprio humano. Olhamos para nós e vemos o pior: irascibilidade, belicismo, rancor, medo, angústia, e uma aterradora capacidade para destruir. Tudo isso, mas também todos os seus opostos. A razão, como um dos itens nessa longa lista, é totalmente incapaz de subjugar as outras características e submetê-las ao seu controle. E suponho que nem haveríamos de querer assim. A previsibilidade de tudo o que diz respeito ao humano possivelmente nos desumanizaria.

Mas se for – e não afirmo que seja – essa a saída, como crer em algo tão contraditório como o próprio humano? Algo que parece nos espreitar e esperar pela próxima oportunidade para nos apunhalar cruelmente pelas costas, traindo aquilo mesmo que tínhamos em mais alta conta?

A contradição está posta: crer sem crença.

24 de maio de 2010

Notas sobre a sociabilidade contemporânea - Parte I

Com o desenvolvimento de tecnologias de comunicação, estamos conectados em rede praticamente todo o tempo. Podemos contatar e ser contatados facilmente em celulares, correios eletrônicos e redes sociais.

Entretanto, é nessa constante possibilidade de presença que a ausência se faz ainda mais esmagadora. A solidão virtual, ou a forma como experienciamos a solidão no século 21, já não impõe limites, já não se nos apresenta como o peso de uma ausência física, mas como a volatilidade de uma constante presença imaterial. Quantos de nós, sempre plugados, não sentem, por isso mesmo, a irrealidade e inconstância do mundo que nos cerca?

Dispomos atualmente de ferramentas para nos expressar, de forma mais livre, e o alcance de nossa expressão é muito amplo. Por outro lado, a hipertrofia da expressão também leva ao mínimo da comunicação entre pessoas. Escreve-se mais, lê-se menos. A informação é muita, e fragmentada. Vem em drops, pílulas, pseudossínteses que ocultam a real expressão das pessoas e das relações entre elas. Vemos vídeos de até dois minutos, lemos notícias de até cinco parágrafos e poemas de até quatorze versos, pois não temos muito tempo a perder.

E mesmo em tempos de excesso de informação e meios de comunicação imediata – que deveriam representar a hegemonia da palavra –, vivemos cada vez mais como sujeitos neuroquímicos. Basta notar o uso – por necessidades geralmente fabricadas – de remédios para dormir, ficar acordado, ter apetite, tirar o apetite, pensar mais, pensar menos, calmantes, estimulantes, paudurantes e tantos outros.

Queremos romper a barreira do humano?

Tirinha: André Dahmer (www.malvados.com.br)